domingo, 16 de agosto de 2009

A Vida dos Outros



O que pega na leitura é a gente não poder identificar a entonação genuína das mensagens. Explico. Não dá pra saber exatamente qual o nível de sarcasmo , energia ou mentira enquanto o autor puxa travessões nos diálogos. Para aproximar ao máximo o tom da conversa imaginada ele sugere estados de ânimos nos personagens. Disse secamente, falava tamborilando os dedos, Maria espumava...Por aí vai. A cultura do rádio pode ter caído no gosto tamanha essa vontade de esculpir a voz em textos. Isso é o ler nas entrelinhas. No dia-a-dia você usa as entrelinhas para se relacionar mais do que o significado das palavras que você junta numa frase. A risada forçada é uma entrelinha, ainda que ao redor todos a tenham achado sincera. O silêncio diz muita coisa porque incomoda aquele que não tem o que dizer. Dá pra sentir quando estão falando da gente, mesmo que o sussurro seja inaudível. Você atrai com olhares, responde com piscadas, desdenha com as costas, ou deixa escapar uma lufada de ar pela boca quando o assunto é pífio. Não precisa de adendos. A escrita, pra mim, é uma tábua de maré. Me salva, mas não me dá segurança. Precisaria olhar as estrelas e descobrir o cruzeiro do sul pra ter base. Descobrir nas entrelinhas é como ter uma bússola de sutilezas.

O cinema é providencial na arte, afinal ela quer imitar a vida. Não basta ser Best-seller, tem que rodar. Fico pensando como seria esse filme só em roteiro. Como não seria suficiente para contar aquela história. Faz bem à saúde fazer bem feito. Lapidar uma imagem. Tornar palpável. Refletir o humano. Humano. Demasiado humano. As pessoas consomem livros, filmes, peças, música e religião para extravasarem suas emoções. Assim como um regime cai: não dá pra ser muralha eternamente. Ei, eu também sinto! – dizem todos em uníssono com suas vozes internas. Tem gente que escreve a cena, tem gente que a constrói e tem gente que sabe dizer tudo aquilo batendo a porta de um jeito diferente.

A Vida dos Outros está repleta de significados. Universais, para ganhar um Oscar por exemplo. Não soa como piadas internas no almoço de domingo da família. Aqueles que uma pessoa de fora entende com a mesma profundidade de uma cadeira. Também não carrega a pretensão de ser arrebatador abordando um tema como a vida (vide O Curioso caso de Benjamin Button).

Esse filme poderia ter um gráfico uniforme. Início para o meio: as pessoas são rasas, reagem igual.

E um senoidal. Meio para o fim: as pessoas são surpreendentemente densas.

A história se passa na Alemanha Oriental nos últimos anos de Guerra Fria. Não quero escrever sobre A Vida dos Outros. Ela tem um nó na garganta que fariam palavras soarem como pigarro. A Vida dos Outros preenche lacunas internas. Um sotaque alemão ríspido e um sarcasmo obsceno para conter o excesso de ternura.

Stalin disse que os escritores são engenheiros da alma. Concordo. Escrever A Vida dos Outros não deve ter sido fácil. Filmar após compreendê-la sim. Como engrenagens: depois de feitas, são fáceis de girar.

Assistam. Ou melhor, ouçam as legendas e saquem nas entrelinhas.

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